segunda-feira, 3 de agosto de 2015



PORTAS E JANELAS   : E, BEM ALI, ESTAVA  ELA 



(foto da autora, Mondelo, Itália, 2014)


Sobrou a torre: o mar, dizem, levou as outras edificações do castelo.
E aquela janela, lá no topo, trouxe-me a voz de Paulo Autran, em sua leitura do poema "Ismália" de Alphonsus de Guimaraens (24 de julho de 1870 – 15 de julho de 1921):

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

E vi Ismália naquela torre, à noite, banhando-se de lua e mar...E senti as dores das mulheres mutiladas, oprimidas e subjugadas de sua época.  Não apenas por homens, em cuja mente mulheres eram seres sem voz e visibilidade que existiam feito objetos a seu redor: um comando + ação bruta e  submetiam-se ao mais sórdido   machismo.  Nas casas e castelos , muitas mulheres acreditavam que o ser masculino era o DONO e PATRÃO.  Assim, serviam de porta-voz aos caprichos violentos e descabidos de pais, irmãos, maridos, pretendentes de  tantas Ismálias  que, aflitas, entre dores , vergonhas e dissabores, preferiam as estrelas no mar.  
Por que Ismália não reagiu?  Poderia?  Muitas o fizeram, no final do século XIX e início do século XX. E  para onde foram levadas, pelo machismo de homens e mulheres da época?  Isso mesmo, conventos e manicômios!  E , aí, bárbaros barbados com SUAS mulheres obedientes e mudas podiam viver um "lar, doce lar"...
Ismália, porém, está , ali, naquela janela da torre, à beira do mar ... Há, ainda, Ismálias por aí?
 




4 comentários:

  1. Pobre Ismália e as que ainda hoje aceitam tais condições e se submetem... Lindo poema e adorei teu post e a torre! bjs, chica

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  2. A torre me levou, também, àquela Rapunzel das longas tranças... Mas essa construção , com suas janelas vazias--pelo menos, para nós--me fizeram sonhar, ou pesadelar... Bom retorno, Chica e muito obrigada pelo comment. Beijos, Mausi

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  3. Olá,

    Obrigada por partilhares este belíssimo poema que desconhecia.

    Também eu, logo que vi a imagem, me lembrei de Rapunzel mas depois li o poema, imaginando-o declamado por Paulo Autran e continuei lendo o teu bonito texto e a seguir o teu pensamento através dele. Magnífico.

    É claro que na Itália, onde fizeste a foto, no Brasil, em Portugal e no resto do mundo ainda continuam e continuarão a existir Ismálias. Há muitas que reagem, lutam por uma vida com qualidade e dignidade mas infelizmente uma grande maioria é pacífica e conforma-se com o seu triste destino, muitas das vezes em troca de quê?

    Parabéns uma vez mais pelo blog e pelo seu conteúdo.

    Beijinhos

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    1. Muito obrigada pelo comentário. E , a cada dia, mais Ismálias--violentadas, esfaqueadas, amputadas, esquartejadas...E aquelas, como uma do RS, que, mesmo depois de o companheiro (!@#@$#@!) esfaqueá-la e amputar-lhe as mãos, optou pela invisibilidade total e a mudez mais completa: concedeu-lhe o perdão e...aceitou voltar para o assassino! Pode? Beijos, Marli

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