PORTAS E JANELAS : CASA QUE FOI, MAS AINDA VIVE...
Muitas portas e janelas, além das que não se vê, nessa casa especial. Ficava no centro de cidade pequena, como tantas que existem por aí. Hoje, em nome de um suposto progresso--retrocesso seria a palavra--quantas dessas casas de muitas portas e janelas desapareceram na troca por caixas construídas sem sombra do antigo engenho e arte ?
Quadrados comerciais e residenciais que nada acrescentam às ruas, dilapidadas de tradições refletidas em vidraças jateadas com desenhos , enfeites simétricos em alto-relevo , pé-direito imenso, chaminés, balaústres, saguões que interesses financeiros deitaram ao chão.
Revestiram as que sobraram com poluição visual , em composição de aberrações coloridas de letreiros, acréscimos em plástico e sarrafos adequados a circo decadente, com direito a balões em pleonasmos, borbotões de papel picado , megafone e palhaços tresloucados, em cenário com a iluminação nervosa de blocos cirúrgicos.
Qual destino é o pior ? Matá-las foi mais digno do que torná-las vítimas de (des) administração pública e de comércio sem valores culturais.
Passear por essas ruas machucadas por bitucas, papeis , sacos plásticos, latas e garrafas amassadas, atapetando paralelepípedos e asfalto esburacado, é enfrentar realidade vazia de amor. Sim, amar sua cidade é cuidar dela.
Amo minha cidade e as casas que já se foram. Conheço-lhes endereço e moradores de ontem. Vejo nos caixotes que as substituíram--indignamente, por sinal--o esplendor de portas, janelas, quintais e portões pelos quais circulavam pessoas que diziam "Bom dia!", "Boa tarde!", "Como vai?", "Com licença!", "Por favor", "Até logo!".
Por que essa casa da foto? Morei, ali, com meus avós paternos--que me criaram desde os três meses de idade--, Inda (querida tia-avó) e minhas irmãs. Deixei a casa, por aquele saguão abalaustrado , no dia de meu casamento.
As histórias da casa? Conto outro dia. E são muitas: algumas alegres e outras de uma tristeza sem adjetivos.
O poema de Luís Guimarães Júnior tenta ilustrar o que sinto, apesar das substituições que faço em algumas de suas palavras. Permanece, contudo, a emoção ao reviver encontros com Vovô, Vovó, minhas irmãs e Inda. E há, ali, uma saudade em cada canto...
Visita à Casa Paterna
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis , também, rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo:
O meu primeiro e virginal abrigo:
Entrei. Um Gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos, — olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.
Chorava em cada canto uma saudade.
(Luís Guimarães Junior, Sonetos e Rimas)