segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Portas e janelas: casa que já foi, mas ainda vive...



PORTAS E JANELAS : CASA QUE FOI, MAS AINDA VIVE...








  Muitas portas e janelas, além das que não se vê,  nessa casa especial.  Ficava no centro de cidade pequena, como tantas que existem por aí. Hoje, em nome de um suposto progresso--retrocesso seria a palavra--quantas dessas casas de muitas portas e janelas desapareceram na troca por caixas construídas sem sombra do antigo engenho e arte ?

  Quadrados comerciais e residenciais que nada acrescentam às ruas, dilapidadas de tradições refletidas em vidraças jateadas com desenhos , enfeites simétricos em alto-relevo , pé-direito imenso, chaminés, balaústres, saguões que interesses financeiros deitaram ao chão.  

Revestiram as que sobraram com poluição visual , em composição de aberrações coloridas de letreiros, acréscimos em plástico e sarrafos adequados a circo decadente, com direito a balões em pleonasmos, borbotões de papel picado , megafone e  palhaços tresloucados, em cenário com a iluminação nervosa de blocos cirúrgicos. 

 Qual destino é o pior ?  Matá-las foi mais digno do que torná-las vítimas de (des) administração pública e de comércio sem valores culturais.

Passear por essas ruas machucadas por bitucas, papeis , sacos plásticos, latas e garrafas amassadas,  atapetando paralelepípedos e asfalto esburacado, é enfrentar realidade vazia de amor. Sim, amar sua cidade é cuidar dela. 

Amo minha cidade e as casas que já se foram. Conheço-lhes endereço e moradores de ontem. Vejo nos caixotes que as substituíram--indignamente, por sinal--o esplendor de portas, janelas, quintais e portões pelos quais circulavam  pessoas que diziam "Bom dia!", "Boa tarde!", "Como vai?", "Com licença!", "Por favor", "Até logo!". 

Por que essa casa da foto?  Morei, ali, com meus avós paternos--que me criaram desde os três meses de idade--,  Inda (querida tia-avó) e minhas irmãs.  Deixei a casa, por aquele saguão abalaustrado , no dia de meu casamento. 

As histórias da casa? Conto outro dia. E são muitas: algumas alegres e outras de uma tristeza sem adjetivos.  

O poema de Luís Guimarães Júnior tenta ilustrar o que sinto, apesar das substituições que faço em algumas de suas palavras. Permanece, contudo, a emoção ao reviver encontros com Vovô, Vovó, minhas irmãs e Inda.  E há, ali, uma saudade em cada canto...
 
Visita à Casa Paterna
 

Como a ave que volta ao ninho antigo, 
Depois de um longo e tenebroso inverno, 
Eu quis , também,  rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo:

 Entrei. Um Gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno, 
Tomou-me as mãos, — olhou-me, grave e terno, 
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!) 
 Em que da luz noturna à claridade,

Minhas irmãs e minha mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
 Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.

(Luís Guimarães Junior, Sonetos e Rimas)

segunda-feira, 3 de agosto de 2015



PORTAS E JANELAS   : E, BEM ALI, ESTAVA  ELA 



(foto da autora, Mondelo, Itália, 2014)


Sobrou a torre: o mar, dizem, levou as outras edificações do castelo.
E aquela janela, lá no topo, trouxe-me a voz de Paulo Autran, em sua leitura do poema "Ismália" de Alphonsus de Guimaraens (24 de julho de 1870 – 15 de julho de 1921):

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

E vi Ismália naquela torre, à noite, banhando-se de lua e mar...E senti as dores das mulheres mutiladas, oprimidas e subjugadas de sua época.  Não apenas por homens, em cuja mente mulheres eram seres sem voz e visibilidade que existiam feito objetos a seu redor: um comando + ação bruta e  submetiam-se ao mais sórdido   machismo.  Nas casas e castelos , muitas mulheres acreditavam que o ser masculino era o DONO e PATRÃO.  Assim, serviam de porta-voz aos caprichos violentos e descabidos de pais, irmãos, maridos, pretendentes de  tantas Ismálias  que, aflitas, entre dores , vergonhas e dissabores, preferiam as estrelas no mar.  
Por que Ismália não reagiu?  Poderia?  Muitas o fizeram, no final do século XIX e início do século XX. E  para onde foram levadas, pelo machismo de homens e mulheres da época?  Isso mesmo, conventos e manicômios!  E , aí, bárbaros barbados com SUAS mulheres obedientes e mudas podiam viver um "lar, doce lar"...
Ismália, porém, está , ali, naquela janela da torre, à beira do mar ... Há, ainda, Ismálias por aí?
 




quarta-feira, 22 de julho de 2015

 Portas e janelas de uma casa em lugar distante fecham-se para segredos. Será ?  Posso contar retalhos de histórias que passeiam por ela: sua construção data do início do século XIX; pai e filho, soldados confederados (sulistas), partiram dali para lutar e morrer na Guerra Civil americana; mãe e filha mandaram colocar a cruz para marcar a morte de seus queridos, entre as janelas superiores, na frente da casa e , logo após, fugiram com a aproximação dos soldados do norte. 
Assim,  entreabro para você o que portas e janelas tentam aferrolhar.
Quem quiser pode obter a chave dessa habitação mobiliada--tudo original, até talheres e pratos--com uma imobiliária local. O aluguel é muito acessível e cabe em qualquer orçamento. No entanto, o gerente da corretora afirma que , até hoje, os clientes, apesar de terem pago três meses de aluguel adiantado, conforme reza o contrato, desapareceram após a primeira semana de locação.
Conversei com uma senhora, vizinha de frente, que me perguntou se estaria interessada em alugá-la.  Respondi-lhe que não tinha interesse: queria apenas fotografá-la.  Ao que, após suspiro de alívio--parecia--contou-me que, pelas observações que tem feito e relatos que ouve, os antigos habitantes repelem quem ousa abrir portas e janelas de seu antigo lar.
Será?  Pessoalmente, acredito que sim, até mesmo porque essa casa com suas janelas de olhos, encontra-se na lista turística de um passeio pelos lugares assombrados da cidade...

terça-feira, 30 de junho de 2015

CASA ANTIGA

Há , na volta do caminho, uma lomba e, bem no topo, uma casa. Portas e janelas permanecem fechadas pelas mãos de seu último morador. Atrás de cada uma, alguém  muito antigo espia.
Quem lacrou aquelas aberturas para a vida que , sonolenta, escorre pelo capim  do jardim desaparecido? Quantos peixes--pescados por mãos pequeninas, no lago abaixo da janela do quarto-- passaram pela frigideira, no fogão à lenha?
Percebo olhares de seus habitantes perenes, encostados ao umbral da porta cinzenta , enquanto crianças, regressas de  sequências de ontem, espiam, sem olhos, os que passam ao largo.
Silêncio: essas portas e janelas contam histórias para quem sabe ouvi-las.


Quem nos olha, lá de cima, daquela janelinha do sótão?  O que aconteceu com a mocinha que ali viveu? E, quem sabe, ainda na cama despedaçada dorme... Vamos abrir essas portas e janelas e deixar que saiam e vivam em seus 'causos'.  Sempre se aprende muito da vida através de portas e janelas que abrimos , ou fechamos...